quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Quase andarilho, quase gari
Andei. Por dias, anos, séculos talvez. Pontes, pinguelas, riachos, cidades. Dia e noite, sol e chuva, abrigo e desamparo. Andei até não ter pés, até esquecer a função de cada membro e flutuar sobre o acostamento. Andei comendo de tudo um pouco, muito pouco. Bebendo a água da chuva, lambendo o sal das feridas, escarafunchando lixos. Andei sem rumo, sem itinerário, sem recursos, sem horário. Andei até cair no asfalto e, longe de tudo, no meio do nada, ser recolhido. Não resisti, não tentei fugir, me deixei ser carregado, limpo, esfregado, seco, alimentado. Atordoado. Amordaçado. Fiquei ali vagando pelos corredores, andando sobre os ladrilhos, sobre o piso cimentado, a terra do jardim. Agora dormir, agora acordar. Na horta, sabe plantar?, me perguntaram. Sei andar, respondi. Quando acordei já estava tudo lá: o carrinho, a pá, a vassoura. Você vai andar bastante, me disseram. Andei, varri e recolhi, puxando o carrinho pelo caminho. Andei, varri e recolhi até não ter pés, até esquecer a função de cada membro e flutuar sobre a calçada. Dia e noite, sol e chuva, abrigo e desamparo. Ruas, esquinas, carros, pessoas. Por dias, anos, séculos com certeza. Andei.
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